Helena está inconsolável depois de terminar um namoro de anos com a pessoa a qual dedicou tempo, vida e amor. Júlia sofre porque não consegue por fim a um relacionamento que a faz sofrer. Amália está depressiva porque seu marido pediu o divórcio. Sara quer ser amada. Roberta acredita em almas gêmeas.
Uma garota entra no salão desesperada, pois sua unha quebrou. Outra moça está arrasada com as pontas duplas dos seus cabelos. Uma terceira jovem não sabe se faz escova marroquina, de aminoácidos, de morango, de cristal ou de chocolate. Muitas outras mulheres se dividem para escolher a cor e o corte de seus cabelos. Houve um tempo em que um par de cílios tímidos fazia minha alegria. E hoje muitas das minhas amigas dariam tudo para viver esses momentos fúteis no salão de beleza.
Meu vizinho reclama que sua esposa engordou, mas esquece de olhar para sua própria barriga. Outro reclama da dor nas costas e nos joelhos depois do futebol. Quinta é dia deles estarem empolgados ou irritados por causa do resultado de quarta no brasileirão. Mas agora eu conheço pessoas que sonham em não sofrer mais com os resultados de seus exames de sangue, da tomografia, do pet scan, da consciência.
Cecília reclama do seu vôo atrasado, pois assim perderá alguns minutos de seu passeio em Paris. Luciana acha o fim do mundo sair de casa no meio da semana para visitar sua mãe no outro lado da cidade. Outras reclamam que o trabalho tem lhes tirado a beleza, o tempo, a vitalidade. Mas agora eu conheço pessoas que não passeiam até a esquina para não ficarem doentes devido a sua baixa imunidade... outras perderam sua mãe para doenças terríveis. E muita, muita gente viaja horas infindáveis para ir à consulta ou fazer quimioterapia. E depois pega o caminho de volta com a mesma força de vontade da ida.
Mariah não sabe mais o que fazer com o filho, que corre o tempo todo, pula, rabisca suas paredes cor de gelo... já pensou em até chamar a Super Nani para ele. Camila recusa o abraço do caçula que voltou da escolinha sujo de terra depois de brincar com os amigos. Zilá não sabe como sustentar os 4 filhos depois de ter sido abandonada pelo marido. Renata sonha em ser mãe. Marinalva só queria dar um abraço no filho que o câncer levou. Carolina quer que seu primogênito levante da cama e lhe dê um beijo.
Muitas vezes eu reclamei que o câncer levou meus cabelos, um ano da minha faculdade, o contato com alguns amigos, mas me esqueço das pessoas que perderam a visão, uma perna, a dignidade, a vida...
Li um depoimento esdrúxulo esses dias. Uma mulher zureta porque o médico não indicou quimio nem radioterapia, só "uma porcaria de medicamentos". Ou não confia no profissional ou precisa urgente de um psiquiatra. Quem, nessa vida, sonha em fazer quimioterapia? Menos, por favor. Também escutei uma pessoa reclamar do marido. Depois que ela terminou o tratamento, ele vive para fazer planos de viagens em família, mas a infeliz só quer se trancar no quarto e chorar. Mal sabe ela quantas mulheres foram completamente humilhadas por seus companheiros depois do câncer, quantas não poderão mais ter filhos, quantas não tiveram a chance de tratamento. Sim, posso até estar errada porque cada um tem sua vida e suas paranóias, mas tem coisa que não desce pela garganta. Para muitos, uma unha encravada é motivo de dor; outros não têm pés. O que para mim é nada, para outro pode ser tudo e vice-versa.
Quem vive ou já viveu no limite da vida tem uma chance a mais de aprender a valorizar os pequenos prazeres: tirar a sobrancelha, fazer espuminha quando vai lavar o cabelo-kiwi, poder comer o que quiser e não sentir enjôo, ir bater perna na rua, ficar uma semana sem levar furadas... marcar compromisso em Dezembro, quando ainda é Maio. Ir para a aula, tomar sorvete sem medo de pegar resfriado, ficar em casa curtindo preguiça porque quer e não por necessidade, assistir novela e futebol com os amigos, dar seu pitaco, não ser vista como a pobre coitada doente e com os dias contados. E quantas outras fontes de alegria vão preenchendo a vida, assim, em conta gota, para ser saboreada vagarosamente. Mas verdade seja dita: é mesmo necessário passar pelo limbo para se chegar ao céu? É de fato preciso andar pelo caminho das pedras para alcançar o paraíso? Acho que não. Sorte de quem é poupado da treva e mesmo assim sabe viver bem.
Na medida do possível, dê um toque na pessoa sem noção, no "reclamão" da vez, naquele que tem tudo e acha que não tem nada. E se o sem noção é você, saia do espelho, não sofra tanto por coisas banais, fúteis, corriqueiras, indignas. Até que se prove o contrário, temos só essa vida e ela, acredite, é bem curta... não espere ficar no despenhadeiro para dar valor ao dia de hoje.
Os meus, os seus, os nossos problemas podem não ser os mesmos, não ter igual intensidade nem solução, mas que tal ser exemplo de coragem em vez de o "chatinho" da turma?
Uma semana abençoada a todos nós. Minhas energias a todos os meus amigos que passarão por cirurgias, que estão sofrendo com o tratamento e com exames, com o cabelo que está caindo ou que não está nascendo, com os leucócitos que tiraram férias... Enfim, essas coisas que conhecemos bem.
Bjo, bjo, bjo.