quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Voltando no tempo...

Julho de 2006. Eu tinha uma vida normal, considerando o conceito de normalidade para a grande maioria das pessoas: morava com meus pais e irmãos, estudava, namorava, planejava um futuro lindo e promissor, tinha saúde e paz. Minha maior preocupação era mesmo com o vestibular e com a famigerada concorrência pela vaga no curso de medicina. Morava em Montes Claros, MG, minha cidade natal, mas estudar em Belo Horizonte era um sonho. Um sonho que se tornaria realidade em breve. No segundo semestre de 2006, eu iria fazer cursinho em BH e um leque de possibilidades se abria na minha frente. Pois bem... faltando pouco para me mudar, resolvi ir ao dentista. Há alguns dias, tinha percebido algo estranho na região da mandíbula esquerda, como se fosse uma "bolinha", imperceptível aos olhares mais desatentos, tão inocente a princípio, bem próxima ao local que corresponde à implantação do siso. Não sentia dor, não havia nenhum inchaço local, nada que chamasse muito a atenção. E então o primeiro raciocínio foi esse: é culpa do dente do juízo. Na ocasião, o dentista pediu uma radiografia para avaliação e planejamento e depois eu faria uma cirurgia para retirada do dente. E eis que a primeira surpresa dessa história apareceu quando as imagens mostraram uma mancha na mandíbula, no meio do osso. "É um cisto. Tiro o siso e esse cisto no mesmo procedimento, ok?". Ok. Mas assim que terminou a cirurgia, vi no dentista um olhar de estranhamento. Resolvemos mandar o material para fazer biópsia, por precaução. Eu mesma busquei o resultado, abri o envelope e li, mas aonde, na minha ignorância, eu poderia imaginar que "a impressão diagnóstica, a príncipio, é de um Sarcoma de Ewing" poderia ser algo tão grave, capaz de mudar minha vida para sempre? Nunca. Estava com tanta pressa naquele dia, arrumando os últimos preparativos para minha viagem, que passei no consultório odontológico e deixei o resultado da biópsia com a secretária. Viajei, sem saber que, naquela mesma tarde, o dentista chamou minha mãe e meu irmão para comunicar a eles a notícia de que aquela lesão parecia ser um tumor maligno e que, para maiores esclarecimentos, seria feito um estudo imunohistoquímico. Mudei de cidade, sem saber desses detalhes. Meus pais e irmãos optaram por não me comunicar nada daquilo por enquanto. Preferiram esperar a confirmação do diagnóstico e, assim, me poupar de um sofrimento que cedo ou tarde chegaria impiedosamente. Comecei meu cursinho, feliz, crente de que, no final do ano, eu seria mais uma entre milhares de vestibulandos. Ledo engano. Estava adorando a experiência de morar fora de casa... sentir aquela sensação de liberdade, poder ir e vir e, aos poucos ir conquistando minha independência. Mas nem tudo saiu como eu havia planejado. Dois meses depois das lâminas terem sido enviadas para São Paulo, o diagnóstico final chegou, estremecendo não só minha vida, como a de todos que me cercavam. E no feriado de 7 de Setembro, quando fui visitar meus pais, também foi comunicada a mim a notícia mais avassaladora, mais assustadora, mais temida, menos imaginada... é câncer! Eu tinha um Osteossarcoma de Pequenas Células na mandíbula, um tumor ósseo de pequena incidência nessa região. Para ser sincera, não há palavra suficiente para expressar o sentimento de uma pessoa que recebe uma notícia dessa. Não há nada capaz de suavizar esse choque. Não há lágrima que se contente em ficar guardada. Não há coração que não dispare. Fiquei dias e mais dias tentando assimilar esse drama e, por vezes, acordei no meio da noite assustada, querendo acreditar que tudo não passava de um pesadelo... dos piores possíveis. Mas um tumor não perdoa processos de autoconvencimento demorados. Era preciso não dar chances nem moral ao inimigo... e então só me restava uma estrada, uma única estrada: viver tudo aquilo que a vida me propunha, com coragem ou não, com força ou não, com esperança ou não. Sem meio termo.


Continuo a contar essa história no próximo post.
Bjo, bjo, bjo.

7 comentários:

  1. Só a singularidade pode ser objeto do amor. Estou conhecendo - um pouco mais - da sua. Beijo.

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  2. Posso imaginar a luta que vc está enfrentando, mas é reconfortante saber que, em vez do desânimo, vc optou por enfrentar tudo com sabedoria, coragem e muita força. Você dá um enorme exemplo pra todos nós, que às vezes, reclamamos diante de problemas muito menores. Parabéns pelo blog e pela iniciativa, Amadaaaaaaa! Saudades sempre...

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  3. Que orgulho de vc viu, Renatinha!
    O seu blog tá bem bacana e inspirador.
    Vc escreve muito bem.
    Saudades demais de vc!
    Vou estar aqui acompanhando sempre...
    Bjao

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  4. Renatinha, estou encantada pelo seu blog. Admiro sua força a cada post, e pode ter certeza que vc inspira muitas pessoas que passam por aqui, como eu, sem saber direito quais sentimentos serão aflorados pelas suas palavras. É coisa boa, muito boa!
    Beeeijos!!!

    PS.: sonhei com vc tem poucos dias... vc veio aqui em casa, tooda arrumada e daquele jeitinho correndo pra aula, me deu um abraço e saiu. Achei tão fofo! hehe

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  5. Renatinha, querida "recém amiga de infância",
    Vc é mais do que uma guerreira. É um doce de menina guerreira.
    Como é possível unir essa "bravura" toda - demonstrada nessa guerra doida - com essa delicadeza de pessoa q vc é?! Sei lá! Nem Freud explica, só Deus!
    Amiguinha fofa, estou agora conhecendo um pouco mais de vc. Estamos juntas, viu?!
    E não vamos esmorecer - a gente é mais forte!
    Um beijão, fica com Deus e, se precisar de algo, tô aqui.

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  6. Renata...como vc mesma disse: Maktub! Estava escrito que eu encontraria seu blog hoje! Só li até aqui e já sei que foi coisa de Deus. Minha mãe também teve osteossarcoma de mandíbula no ano passado, se tratou e no primeiro controle (3 meses pós o fim da quimio), eu vejo na tomografia o que parece ser uma recidiva! Vamos pra BH amanhã levar os exames para o médico ver, e saber o que Deus nos preparou!
    Parabéns pelo blog, vc tem o dom da palavra! Espero poder conversar com você ainda. Muita força e saúde! Bjs

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  7. "Para ser sincera, não há palavra suficiente para expressar o sentimento de uma pessoa que recebe uma notícia dessa. Não há nada capaz de suavizar esse choque. Não há lágrima que se contente em ficar guardada. Não há coração que não dispare"

    Ao ler suas palvras, lembrei-me exatamente qnd recebi a notícia q eu tinha cancer. graças a deus, hj estou perfeitamente bem, retirei a glandula ehj tomo medicamentos diários,mas é incrível como olhamos até mesmo uma folha q balança ou cai no chao, e nos damos conta o quanto é bela a vida.

    gosto de suas palvras, sua experiencia e maturidade . parabéns
    encanta-me muito

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