domingo, 24 de março de 2013

Além de nós

Em "Rimas da vida e da morte", de Amós Oz, em determinado capítulo, o autor comenta algo que sempre me fez pensar: diz ele que a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que lembra de nós. Pode ser um amigo, um colega, um filho, um pai, um irmão ou um admirador, mas enquanto essa pessoa viver, mesmo que a gente já tenha morrido, viveremos através da lembrança dele. E só quando essa pessoa morrer, a última que ainda lembra de nós, é que morreremos em definitivo, para sempre. Estaremos tão mortos como se nunca estivéssemos existido.
Tive algumas perdas dolorosas na vida. Perdi amigos, meu avó, uma tia inesquecível e perdi Alvin. Lembro deles, sonho com eles, busco-os nos meus pensamentos, porque é a única homenagem possível: mantê-los vivos através do que recordo deles. Daqui a cem anos, ninguém se lembrará mais nem de um, nem de outro e aí, sim, eles estarão definitivamente mortos. Pensar nisso dói como se eles fossem morrer de novamente.
Aquele que compõe músicas, faz filmes, escreve livros, bate recordes ou é um Mozart, um Picasso ou Einstein consegue uma imortalidade estendida, mas, ainda assim, será sempre lembrado por sua imagem pública, não mais a privada, não mais a lembrança da sua voz ao acordar, da risada, do bom humor ou do mau humor, não mais daquilo que lhes personifica a intimidade. Serão póstumos, mas não farão mais falta na vida daqueles com quem compartilharam almoços, madrugadas, discussões, já que essas testemunhas também já não estarão mais aqui.
Alguém me disse esses dias que se eu acreditasse em reencarnação nada disso me ocuparia a mente. De fato, não acredito, e, mesmo que eu esteja reenganada, de que me serve a eternidade sem poder comprová-la? Se sou uma abelha encarnada ou se fui uma princesa egípcia, que diferença faz? Minha consciência é que me guia, não minhas abstrações. Sou quem sou, sou aquela que pode ser lembrada. Não me conforta ser uma especulação.
É provável que ainda não tenha nascido aquele que será o último a me recordar, a rever minhas fotos, a falar bem ou mal de mim. Nem tive filhos ainda. Qual será a data da minha morte definitiva? Não será a do meu último suspiro e sim a do suspiro da última pessoa que ainda me carrega na sua lembrança efetiva - ou no seu ódio por mim, já que o ódio igualmente mantém nossa sobrevivência. Cafajestes e assassinos também se mantém vivos através daqueles que lhes temeram um dia.
Ontem tive uma experiência no PS que me marcará para sempre: uma mãe relembrava a vida da filha que se foi há 4 meses e a lembrança era tão forte que tínhamos a impressão de que a Nazaré ainda estava ali. Por isso, hoje quero fazer uma homenagem a todos aqueles que já se foram, mas que permanecem em nossas memórias... vivos pelo trajeto que construiram... Ao último ser humano a lembrar de nós, a ter saudade de nós, a recordar nosso jeito de caminhar, de resmungar, o último a guardar os casos que ouviu sobre nós e a reter nossa história particular. O último a pronunciar nosso nome, a nos fazer elogios ou a discordar de nossas idéias. O último a permitir que habitássemos sua recordação. Bendita seja essa criatura, que ainda nos manterá vivo para muito além da vida.
 

2 comentários:

  1. Lindo texto, que nos traz reflexões profundas!!
    Uma semana cheia de coisa boa pra você, minha querida!!
    Bjão

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  2. Nossa Renata...esses dias perdi uma conhecida que na vida lhe restara apenas a preocupação da mãe para com ela...a mãe morreu a dois meses e acho que por tudo o que li acima, ela se entregou e morreu aos 51 anos na semana passada.
    Estou agora a refletir sobre seu texto....

    Abraços!

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