quinta-feira, 22 de março de 2012

Avante, guerreiros!

Desde que resolvi escrever este blog, tenho recebido inúmeras manifestações de carinho. Não que antes isso não acontecesse, mas agora é diferente... pessoas que nem conheço me enviam mensagens incríveis, seja por aqui, pelo Facebook, e-mail ou celular. Um mar de emoção invadiu minha vida, num movimento que, antes de mais nada, traduz o quanto precisamos uns dos outros.
Em diversas ocasiões, muitas pessoas comentaram sobre minha força, coragem, alegria, determinação, como se tudo isso pertencesse a mim. Mas não. Eu não sou essa guerreira. Nesse tempo, descobri que guerreiros de verdade são aqueles que lutam sem armas nesta batalha épica pela cura. Guerreiros são os que, embora estejam tendo resultados decepcionantes com o tratamento, estão lá, insistindo e acreditando mesmo quando a medicina diz o contrário.
Fortes são as famílias que, apesar dos poucos recursos financeiros, abandonam seus lares e se abrigam em pensões, hotéis ou casas de apoio, sem privacidade e conforto. Corajosos são os pais que se demitem de seus empregos e passam a depender dos projetos assistenciais do governo. E que a verdade seja dita: para se conseguir algum benefício, os trâmites são tão burocráticos que muitos desistem no meio do caminho. Além disso, o que o governo oferece é tão irrisório que dá vergonha de mencionar o valor e de viver num país em que uma doença tão grave é tratada com tanto descaso. Batalhadoras são as mães que conseguem cuidar de um filho doente e, ainda assim, dar conta dos que estão sadios, mas precisando de cuidados.
Guerreiras são as crianças incríveis que tenho conhecido. Meninos e meninas que mal começaram a viver e já se depararam com um desafio desse. E mais: com um sorriso largo no rosto, apesar das furadas, das dores, dos exames chatos, da quimioterapia. Poucos adultos conseguem lidar tão bem com problemas tão sérios. Qualquer coisa serve de motivo para deixar de dar um bom dia sincero e ser gentil com os outros. Lamentável é constatar, ainda, que muita gente fica aí reclamando de coisas tão banais e pequenas, como se fossem os mais sofredores do mundo.
Por isso, digo com toda propriedade: não sou um exemplo a ser seguido, não sou a fortaleza que muitos imaginam que eu seja. Tenho uma família fantástica, que faz de tudo para meus dias serem mais amenos. Meus amigos são os melhores que eu poderia ter... Tenho todo o conforto possível, não preciso acordar às 3 da manhã para não perder o "favor" da ambulância, recuso o almoço e o lanche do hospital porque sei que minha mãe compra coisas gostosas que meu estômago aceita. Ganho presentes, passeio, viajo, tenho mais que uma equipe cuidando de mim: tenho um exército que me escolta nessa batalha infame, não me deixando sofrer pelo evitável. Entre outras, posso dizer que minhas dificuldades até agora se resumem aos efeitos deletérios da quimioterapia. No mais, não tenho o direito de me lançar no muro das lamentações. Não vou ser hipócrita e dizer que estou vendendo felicidade, mas também não posso ser ingrata a ponto de me sentir a coitadinha. Definitivamente, esse é um comportamento incabível nessa situação.
Tenho plena convicção de que fortes são as pessoas isentas disso tudo, mas que são curadas, são alegres, são um exemplo de superação. Coisa para nenhum medalhista olímpico colocar defeito. Eu sou só mais uma que tem oportunidades num país em que a maioria sofre pela escassez de recursos que garantem a mínima qualidade de vida.
Sinto um orgulho imenso de ter conhecido verdadeiros heróis. Todos os dias, eles me dão lições que carregarei para além vida, lições essas que não quero apagar da memória daqui um tempo.
Esses dias conheci um casal que perdeu o filho há uns 3 meses por causa de uma leucemia. Quando vi aqueles pais no hospital, logo perguntei o que eles faziam naquele lugar que trazia tantas lembranças ruins. Mas fiquei extremamente envergonhada comigo mesma com a resposta: eles estavam ali para divulgar um trabalho maravilhoso que fazem antes mesmo de perder o filho. Aqueles pais fundaram uma ONG com o intuito de ajudar quem precisa. Senti que aqueles dois, ali na minha frente, eram muito melhores que eu. Durante esse tempo de GRAACC, fiz muito pouco. Palavras lindas, tarde de princesa para uma amiga, brigadeiro e pipoca são um nada perto do que muitos precisam. Por isso, comecei a entender que é fácil ajudar dando um telefonema, mandando mensagem via internet ou telefone. Difícil é sair do conforto do seu lar, acordar cedo, abrir mão de parte do salário, superar a dor de perder um ente querido distribuindo amor. E falo mais: apesar de serem poucos os que abrem mão disso tudo, são esses que fazem não só da oncologia, mas do mundo, um lugar mais agradável de se viver...





"Quando era jovem tentei me matar várias vezes, mas aí percebi que cuidar do próximo é a melhor forma de esquecer os próprios problemas e, melhor ainda, se isto for feito com muito bom humor e principalmente amor."
Patch Adams
Inspire-se!

Bjo, bjo, bjo.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A vida assim é, pois.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
João Guimarães Rosa
(Grande sertão: veredas)



Rosa, sempre Rosa. Quem ainda não leu este livro incrível está perdendo a chance de conhecer não só Guimarães, mas a si mesmo.

Bjo, bjo, bjo.

domingo, 18 de março de 2012

A saga continua...

Lembram aquele "defeito" colateral mais temido do MTX? Aquele que me assombrou antes mesmo de fazer este ciclo? O terror do pessoal do osteossarcoma? O calvário da quimioterapia de altas doses? Guardem isso aí...
Passei os 4 dias do MTX sofrendo com os intempéries que ninguém esperava que surgissem. Alergia, intoxicação, queda de potássio e tudo mais eram situações desconhecidas pela grande maioria dos pacientes. Fui a sensação do GRAACC nessa época. Alvo de estudo e indagações: "o que aconteceu com ela? Por quê?". E todos que me encontravam nos corredores do hospital sabiam exatamente tudo que havia ocorrido, até mesmo aqueles que não me conheciam. Ganhei fama, Brasil... hehehehe...
Mas, apesar de tantos sustos, a mucosite não saía da minha cabeça... era uma obsessão! Já tinha tido uma péssima experiência no ciclo anterior e, definitivamente, não queria passar por tudo de novo, muito embora esse parecesse ser um caminho sem alternativas para quem faz essa QT. Intensifiquei os bochechos, corri atrás da dentista feito doida para ter meu laser diário, evitei tudo, tudo mesmo que significasse risco para minhas adoráveis mucosas.
Esperei a mucosite e nada... Saí do controle do MTX e ela nem deu sinais de vida (ou morte). As pessoas perguntavam todos os dias se eu já tinha machucado a boca e eu, cheia de auto-confiança, falava alto e bom som: não, não estou sentindo nada... Comecei a me achar, pensando que estava arrasando, brilhando, superando a mais terrível etapa dessa quimioterapia. Um orgulho só... Mucosite? Nana nina não... isso não me pertence... hehehe. Entretanto, é como diz o ditado: toda a arrogância será castigada... hehehehe. E, assim, minha pena viria nas próximas horas, no momento em que eu já tinha absoluta certeza de que meus dias de glória tinham chegado. Gente, gente...
Depois de tanta água nos últimos 4 dias, o que eu mais desejava era comer tudo que tinha pela frente. Todas aquelas coisas gostosas que nossa mãe sabe fazer. E assim foi... após de ter sido liberada de todos os controles do MTX, cheguei em casa tarde, mas não abri mão do almoço. Enquanto minha mãe preparava tudo, fui tomar banho, livre de acessos venosos e bolsas de soro. Um alívio. Contudo, no banho mesmo, comecei a sentir a garganta fechar, arder, doer... engolia a saliva e já sentia um pequeno desconforto. No almoço, ficou pior... no lanche da tarde, estava quase impossível; no jantar, não conseguia nem beber água. Pouco tempo depois, aquela sensação de sufocamento na garganta já tinha tomado conta, também, da boca. Pequenas lesões, parecendo úlceras, começaram a surgir na mucosa oral que, a essa altura, já estava super vermelha, dificultando até o pronunciamento de qualquer monossílado.
Dormi assim e acordei com a boca, esôfago e estômago tomados por mucosite. E aquelas pequenas úlceras que, a princípio, pareciam tão inocentes, multiplicaram-se a tal ponto que uma encontrava com a outra, formando lesões imensas. Fui do céu ao inferno da noite para o dia. Literalmente. As dores eram fortíssimas, ignorando todo analgésico que eu tomava. Só opióide mesmo conseguia amenizar um pouco a situação. Amenizar... porque nada era capaz de cortar definitivamente a dor.
Não conseguia nem engolir a própria saliva, uma "baba grossa" que insistia em ser produzida. O esforço para comer ou beber alguma coisa era imenso. Comecei a detestar sentir fome porque isso, em outras palavras, significava um tormento para mim. Por vezes, era comer e fazer vômito e não era raro esses vômitos virem acompanhados de pedaços de mucosa e rajadas de sangue. Os dias foram passando e, apesar de todo esforço dos dentistas e médicos do hospital, nenhuma medida estava sendo eficaz. As sessões de laserterapia foram intensificadas, os bochechos e remédios para dor, idem.
Passei dias chorando de dor, de fome, de desespero diante de uma situação que estava ficando insuportável para mim. Até que chegou uma hora em que nem os remédios para dor eu conseguia tomar. Fui ficando fraca e susceptível a tudo... fui perdendo peso e a paciência também. Sem me alimentar direito, sem falar, sem conseguir fazer minhas atividades. Era uma prova para budista nenhum colocar defeito.
Depois de uma semana vivendo no meu limite e tendo que receber medicamentos e soro na veia porque nada passava pela boca, a hipótese de usar uma sonda começou a ser cogitada. People, sooondaaa! Recusei e quase assino um documento me comprometendo a comer até espinho se assim fosse preciso. Chorava feito criança para comer, mas nem sempre conseguia. E nada da mucosite regredir... pelo contrário. Para mim, aquilo ali só piorava. E piorou mesmo. Além das imensas úlceras, também tive monilíase no trato gastrointestinal e aí a internação foi inevitável, por mais que existisse a imensa chance de eu passar o Natal no GRAACC. Enquanto todo mundo recebia alta para as festas de fim de ano, eu estava sendo admitida. Não adiantou chantagem nem promessas.
Cinco dias internada, quase 15 de mucosite, 4 quilos perdidos e os nervos à flor da pele. Eu juro... não aguentava mais. Em menos de um mês, minha vida tinha mudado completamente. Passei os últimos 20 dias sentindo o que realmente é um tratamento contra um câncer. Foi inevitável não pensar nisso. De tudo que havia acontecido até ali, definitivamente, a mucosite superou tudo. Sentir dor e não conseguir se alimentar mesmo tendo o que comer é degradante demais, é contraditório para alguém que estava vivendo dias nefastos. Mas foi justamente nessa hora, no momento em que achei que meu jardim nunca mais floresceria, que ele começou a lançar seus primeiros brotos... ainda tímidos, mas cheios de vida.
Fui para casa ainda com mucosite, mas a infecção fúngica já estava controlada e as úlceras em processo de regressão. Tive dias difíceis ainda porque, apesar dos esforços, não consegui recuperar com facilidade o que havia perdido. Ainda senti muita dor e medo da mucosite se rebelar e querer dar as caras novamente, com toda fúria que eu tinha conhecido. Entretanto, no Ano Novo, já comecei a vislumbrar um pontinho de luz no fim do túnel...



E essa luz foi crescendo, crescendo, crescendo. E, embora seja clichê, não há verdade maior: tudo passa...

Bjo, bjo, bjo.

sexta-feira, 16 de março de 2012

MTX fazendo história

Depois de ter tido uma noite inesquecível, em que meus rins trabalharam como nunca, fui tomar café para depois ir ao GRAACC. Mas, antes mesmo que eu tivesse tempo para comer alguma coisa, comecei a sentir as mãos ficarem dormentes, formigando. Muito estranho. De início, a sensação ia até os punhos e eu não sentia direito os dedos das mãos, por mais que tentasse. Percebi que aquilo progrediria rápido, falei com meu pai e minha mãe e fomos correndo para o hospital, sem café, sem lenço, sem documento.
No caminho, a sensação foi se estendendo para os braços, pés, pernas, abdomen, cabeça... numa velocidade impressionante. Tudo foi ficando muito tenso no caminho e, quando cheguei na porta do GRAACC, foi difícil até descer do carro porque eu estava, praticamente, toda adormecida e paralisada. Tinham me falado que MTX dava muita mucosite, mas ninguém me disse que também poderia causar uma parestesia enlouquecedora... não conseguia pronunciar uma palavra, não conseguia dizer o que estava sentindo, não conseguia fazer praticamente nada. Minhas mãos começaram a entortar e os dedos foram ficando em garra, de tal modo que, por mais que tentassem, ninguém conseguia movimentá-los.  Além da parestesia, comecei a sentir dor também... que parecia muito uma cãibra. E aí o desespero foi geral... tanto meu quanto de quem estava por perto. Porque começou a doer e muuuuito.
Minha mãe ficou totalmente desesperada... sem saber o que fazer. Lembro do pavor nos olhos dela. Sinceramente, nem sei como cheguei ao segundo andar do hospital, na quimioteca. No entanto, lembro de um monte de gente me socorrendo... procurando veia para coletar exame, ligando soro, chamando um médico com urgência. Enquanto os exames não ficaram prontos, fui recebendo soro bicarbonatado porque a primeira suspeita era de que eu estava intoxicada por MTX. Intoxicada, gente... Depois da alergia, ainda veio mais essa.
Os resultados saíram e o nível sérico da droga realmente estava altíssimo, muito embora dentro dos valores esperados para as primeiras 24 horas pós-QT. Uréia, creatinina, cálcio... tudo dentro dos valores desejáveis para a situação. Mas o potássio estava baixo... meu rim, de fato, trabalhou intensamente durante a noite... a prova encontrava-se aí. E quem entende do assunto sabe que pequenas variações nos níveis desse íon provoca um desastre, dentro dos quais um dos mais graves é uma arritmia cardíaca induzia por hipocalemia.
Além disso, ainda tinha a alergia, que começava a dar sinais de que viria com tudo nos próximos minutos... Mas essa história também teve seu final feliz. Benadryl, Hidrocortizona, potássio e soro deram conta do recado. No final do dia já estava tudo bem: sem parestesias, sem dor, sem alergia.
As próximas 72 horas foram regadas com muita, mas muitaaa água, acompanhada de ácido fólico de horário, bem como daquelas já conhecidas medidas (pH... bicarbonato etc...). E, a cada dia que se passava, meu nível sérico de MTX baixava mais e mais... até que eu saí do controle (momento de alegria para quem não aguentava mais tanto líquido)... A concentração da droga no quarto dia estava abaixo de 0,2 molar e, enfim, eu tinha sido alforriada.



Diante disso tudo, pensei que meu primeiro capítulo da saga MTX tinha acabado. Sonha, Alice... O pior ainda estava por vir...

Bjo, bjo, bjo.

Ciclo do Metotrexato em Altas Doses

MTX para os mais íntimos. É assim que a grande maioria das pessoas conhece e reconhece a medicação de excelência no tratamento do osteossarcoma. É a qumioterapia VIP, que o GRAACC tem orgulho de saber usar, com todo critério possível, com toda competência e responsabilidade necessárias. Digo isso porque são poucos os hospitais e clínicas brasileiras que conseguem utilizar MTX em altas doses. Nos mais conceituados protocolos de tratamento, ela está lá, impondo respeito e exigindo muita habilidade da equipe que se propõe a incluí-la em seus esquemas terapêuticos.
A programação era de que eu faria essa QT 21 dias após o primeiro ciclo, porém, passados 15 dias, eu estava lá para receber minha dose sagrada de MTX. Imunidade nas alturas, mucosas fortalecidas... ninguém perde tempo mesmo!
Já fui para esse ciclo com medo da mucoiste, efeito colateral mais famoso e temido da droga. Era opinião unânime... e toda vez que eu via alguém no hospital com a boca machucada, sem comer, sem beber, sem falar, podia saber... era MTX. Mas também sabia que um osteossarcoma treme diante dela... hehehe. Então...
A medicação correria em, aproximadamente, 4 horas, mas contando que, antes da quimio, você recebe uma bolsa de soro bicarbonatado, medicação pré-QT, mede pH urinário (e ele tem que estar maior ou igual a 7 obrigatoriamente), umas 6 horas são gastas tranquilamente. Receberia 18 gramas, sendo que a dose máxima para o adulto é de 20 gramas. Muito remédio, people!
Passei fácil por tudo que antecede o recebimento da quimio e lá veio minha bolsinha amarelo fluorescente, super fashion, fazer jus à fama que lhe conferem. Com uma hora de medicação correndo e vendo o mundo girar em câmera lenta, comecei a sentir as orelhas ficarem quentes (parem de falar mal de mim... hehehe), as mãos ficarem quentes, o rosto ficar quente, tudo ficar quente e inchar. Não liguei muito, mas minha mãe logo percebeu que havia algo estranho (em fração de segundos fiquei toda vermelha) e chamou a enferemeira. Pra quê... Eu estava desenvolvendo um processo alérgico contra a quimioterapia. Com tanta coisa na vida para ter alergia, eu tive do MTX. Mas isso não é problema para Dra. Carla e cia limitada... hehehe. A infusão da droga foi interrompida por uma hora mais ou menos, tempo gasto para potentes antialérgicos serem administrados. Depois disso, continuei recebendo a QT e, de segundo em segundo, tinha um médico ou enfermeira me perguntando se estava tudo bem. Agora imaginem meu poder de raciocínio e reação depois de antieméticos misturados com antialérgicos... um potencializando o efeito "sono master" do outro... hehehehe. Entretanto, no final, tudo deu certo. Nem vi o tempo passar. Só acordei depois da minha mãe me chamar umas 100 vezes falando: "Renata, acabou. Acorda. Renata, acabou. Acorda........
Fui para casa com um livro de recomendações. Nas próximas horas, teria que bater todos os meus records de ingestão hídrica. Saí do hospital umas 7 da noite, com retorno previsto e obrigatório para às 8 da manhã no outro dia. E, nesse intervalo, teria que me virar e tomar de 4 a 5 litros de água. Água mesmo porque quem recebe MTX não pode ingerir nada ácido nem que contenha vitamina C até que o nível sérico da droga esteja em valores desejáveis (abaixo de 0,2 molar). Portanto, aqueles sucos gostosos, que você tomaria brincando, estavam todos proibidos. Suco, refrigerante, champanhe... hehehehe! Além disso, no "manual de instruções", tinha a ordem para anotar o volume de tudo, tudo que você bebia e tudo que eliminava, com o respectivo pH urinário. E, dependendo do valor do pH, teria que tomar uns comprimidinhos de bicarbonato de sódio que tinham o tamanho do modelo mais antigo de um celular.  
Passei a noite em claro, tomando água e olhando o valor do pH na fitinha de cores. E toda vez que a cor se aproximava dos valores "perigosos", já começava a pensar como eu ia engolir os comprimidos. Mas acabei dando conta de beber o que foi proposto... caso contrário, no outro dia, bolsas e mais bolsas de soro me esperavam... Tenso. Muito tenso.



No outro dia cedinho, estava no GRAACC. Apareci antes mesmo do horário previsto por causa de uma intercorrência. Mas essa e as outras que surgiram merecem um post novo.

Bjo, bjo, bjo.

quinta-feira, 15 de março de 2012

As aparências enganam

Se você se sente frágil porque faz quimioterapia, olhe para dentro de si...



Um viva ao leão nosso de cada dia...

Bjo, bjo, bjo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A felicidade por um fio... de cabelo!

Nem quando eu era criança tive cabelo curto. Sempre gostei de cabelo grandão, arrumado, produzido. Mas os efeitos da quimioterapia seriam implacáveis: meu hair estava com os dias, literalmente, contados. Antes do tratamento, li milhares de coisas a respeito do assunto e, por mais que as opiniões mais otimistas falassem que nem todo mundo perdia o cabelo, isso era utópico demais para mim. Ainda mais com o protocolo proposto para o meu caso... eu usaria drogas que causam, em 98% dos casos, alopecia induzida por quimioterápicos. Nem gastei meu tempo tentando acreditar que entraria na estatística seleta dos 2%. Melhor mesmo seria me preparar para o "momento traumatizante" do tratamento, conforme muitos dizem. Mas não é bem dessa forma...
Segundo relatos, em torno do décimo e décimo quinto dia após o primeiro ciclo de quimioterapia, os cabelos começariam a cair. E assim foi... Depois de ter iniciado minha descida em queda livre ao inferno e de ter visto a luz branca da morte umas 20 vezes com a Doxo e a Cisplatina, perder o cabelo seria mais uma etapa. Todos os dias, fazia o teste: ia lá na nuca e puxava um fio, um fiozinho e verificava a força de sua implantação no couro cabeludo. E, durante 14 dias, eles estavam lá, firmes e fortes. O mais curioso disso tudo era a preocupação exagerada das pessoas em relação a esse fato. Quase todo mundo que ligava querendo notícias, no fundo, também queria saber se meu cabelo já tinha caído. Mas e a coragem de ser direto e perguntar? E o medo de ser indiscreto e ofender alguém que está com câncer? Nessa hora, as pessoas se resguardam no campo tranquilo das indretas, do "jogar verde para colher maduro", como quem não quer nada, mas na verdade quer saber dos mínimos detalhes... em primeira mão ainda.
Pois bem... exatamente 15 dias depois da primeira QT, acordei e vi no travesseiro um bolo de cabelo. Não foram 2 nem 10 fios... foi um tufo de cabelo, que se desprendeu da minha cabeça espontaneamente, sem esforço algum, numa facilidade incrível. A cada hora que passava eu tinha menos cabelo e aonde passava ficava o rastro tradutor da potência da quimioterapia. Se levava a mão na cabeça, vinha junto mais e mais cabelo.
Ao contrário do que muitos pensaram e contrariando as expectativas de que eu faria um verdadeiro escândalo nesse dia (surpresa até para mim), esse foi, digamos, o momento menos penoso dos últimos acontecimentos. Sem demagogias. Tudo foi pior: as náuseas, os vômitos, o cansaço, a dor no corpo, a mucosite, a sensação de que eu não daria conta do recado. Não vou dar uma de mulher maravilha e dizer que esse foi o momento mais ligth e tranquilo da minha vida. Quase nenhuma mulher gostaria de passar por isso, afinal, os cabelos fazem parte do estereótipo feminino, traduzem charme, beleza... seduzem. E eu também amava os meus. Mas diante de tudo que já tinha me acontecido e perante o que ainda estava por vir, de verdade, isso não me machucou tanto quanto era previsto. Algo muito maior estava por trás disso tudo: eu precisava da quimioterapia... sem ela minhas chances de cura seriam anuladas. E, se um dos preços a pagar era esse, não me restava outra saída a nao ser olhar tudo com maturidade e paz.
Já tinha decidido que cortaria o cabelo e guardaria para depois fazer mega hair. E, no mesmo dia em que a queda começou, fui a um salão. Se demorasse muito, não daria tempo de salvar nada... hehehehe... podem acreditar! É muito rápido... Fiz um corte lindo, chanel, vintage e moderno ao mesmo tempo (pode isso? hehehe...). Gostei do resultado, mas sabia que aquilo ali duraria uma fração de horas. Em poucos dias tudo já tinha ido embora: o corte e o cabelo. Não chorei, não dei birra, não culpei nada nem ninguém, não revoltei. Era um momento só meu e passei por ele da melhor maneira que pude. Tantos já passaram por isso e, contudo, não estão aí inteiros? Então...


Estreiando meu novo look!

Agora, de fato, era tudo verdade. Eu estava fazendo quimioterapia. A ficha de muitos só caem nesse momento. Mas a minha desabou muito mais cedo...
E tenho dito.

Bjo, bjo, bjo.

terça-feira, 13 de março de 2012

"Defeitos" Colaterais

Os dias que se seguiram ao primeiro ciclo de quimioterapia foram mais amenos, porém tiveram seus altos e baixos. Não ir ao hospital foi um alívio... e, por mais que o corpo ainda sentisse os efeitos devastadores da Doxo e da Cisplatina, ficar no aconchego da sua cama, abraçada ao seu travesseiro e ao baldinho companheiro de todas as horas era muito mais confortável.
Continuei nauseada por uns bons dias ainda, mas os vômitos foram diminuindo... Em contrapartida, apetite tirou férias, assim como minha disposição para fazer qualquer coisa. Passava os dias e as noites deitada, só levantando para tomar banho... Ainda me alimentei muito mal por quase uma semana e, de quebra, ganhei uma dor no corpo insuportável (sabe aquela sensação de que um caminhão passou por cima de você? De frente e de ré? então...), acompanhada de calor e frio, frio e calor, me fazendo ir de uma estação a outra num passe de mágica... hehehehehe... Fadiga virou quase minha melhor amiga. Andava meio metro e parecia que tinha corrido e vencido uma maratona. Vão falar que sou dramática, mas juro, gente, é assim mesmo... hehehe...
No entanto, a maior surpresa veio mesmo quando isso tudo já tinha passado. Assim que meu corpo começou a dar sinais de recuperação, senti a garganta doer, arder, "fechar", como se tivesse algo impedindo a descida de qualquer alimento, até mesmo de água. E, de repente, essa mesma sensação tomou conta da boca em questão de horas. Inúmeras lesões também apareceram, lembrando aftas, mas era muito mais que uma simples afta... era mucosite! Inflamação e ulceração da mucosa, que se torna edemaciada, eritematosa e friável, resultando em dor, desconforto e dificuldade para ingestão de alimentos sólidos e líquidos, dependendo do grau de comprometimento. Um fantasma...
Por conta da mucosite, era quase impossível alimentar, justamente na hora em que o corpo pedia, pedia, pedia... Não foram raros os momentos em que chorei para comer. Conversar, rir... aiai! Fiquei muda nesses dias e, quando resolvia falar, sentia uma dor absurda. Agora o mais engraçado era quando eu encontrava alguém (os veteranos da QT) no hospital e a pessoa vendo aquela situação falava assim:"MTX, né?" E eu nem tinha feito essa quimio... Seria meu próximo ciclo. Imaginem o que estava por vir...


Mas tudo isso passou. E hoje, ao lembrar esses fatos, fico me perguntando como dei conta... E é justamente nessa hora que tomamos conhecimento do quanto precisamos conhecer de nós mesmos...
Tem uma frase do Johnny Depp que resume bem isso tudo: "Você nunca sabe a força que tem. Até que a sua única alternativa é ser forte.". Linda, não é?

Bjo, bjo, bjo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Primeiro Ciclo de Quimioterapia

Estava tudo em ordem para eu começar o tratamento. Um dia antes de iniciar o primeiro ciclo, passei por uma bateria exaustiva de exames: ressonância magnética, tomografia computadorizada, cintilografia óssea, raio x, hemograma.
O protocolo de tratamento também já estava definido e na sexta-feira, 25 de Novembro de 2011, eu começaria recebendo Doxorrubicina e Cisplatina durante 2 dias seguidos. No terceiro, hidratação. No quarto, Zometa. Uma maratona de 4 longos e penosos dias, sem o mínimo exagero. Assim que fiquei sabendo do nome das drogas, fui correndo pesquisar e o que li era apavorante: "São medicações que devem ser manipuladas com todo critério e rigor. Em caso de contato direto com a droga, o operador deve procurar, imediatamente, atendimento.". E isso tudo ia correr livre nas minhas veias... Saber disso foi apavorante... era contraditório demais para mim algo ser tão agressivo e, mesmo assim, alguém ainda utilizar. Parei de ler. Naquele momento, informações desse tipo só trariam mais angústia e medo. Quimioterapia e consultas seriam feitas no Graacc (depois faço um post especial em homenagem a esse lugar incrível) e a radioterapia no Albert Einstein.
Na sexta de manhã eu estava no hospital. O tempo de infusão das drogas giraria em torno de 8 horas (QT longa), o que me obrigou a levantar cedo... Já tinha conhecido a sala de quimioterapia do Graacc, mas nesse dia tudo era muito diferente. Eu não seria mais uma simples visitante como em outros tempos. Muito pelo contrário... a partir desse dia, a quimioteca seria um ambiente muito frequentado por mim. Senti uma sensação estranha quando entrei na sala... não sei se era medo do desconhecido, se era tristeza, se era desespero por saber que agora era "pra valer"... Enfim, não é  fácil ser um inexperiente nessa hora.
A quimioteca estava lotada e era quase impossível mater a atenção focada em alguma coisa. Enfermeiras para todos os lados, crianças, mães, funcionários, voluntários... nada que lembrava muito um lugar em que havia pessoas gravemente doentes.
A primeira quimio é um choque... comecei muito bem e fiquei bem nas 7 primeiras horas. Conversei com todo mundo, conheci pessoas novas, almocei churrasco (meu Deus, por que fiz isso?), tomei sorvete... fiz tudo e nada de mal-estar, nada de enjôo, nada de vômitos. E comecei a achar que eu ficaria assim, que seria tudo muito tranquilo... doce engano! Aos 45 minutos do segundo tempo, quase terminando o primeiro dia de quimioterapia, comecei a sentir as mãos ficarem frias, a sala girar, as vistas escurecerem, um mal-estar horríveeeel... tudo de uma hora para outra... Jesus, me chicoteia! E o estômago foi ficando ruim, ruim, ruim... o vômito era questão de segundos (sem dramas). Assim foi... e o pior: começou e não parou mais... era um episódio atrás do outro e toda aquela paz das primeiras horas da quimioterapia foi ficando longe. E, apesar do reforço das medicações potentes contra náusea, nada conseguia me livrar daquela situação. Terminei a quimio, mas as náuseas e os vômitos persistiram... fui embora passando muito mal. Quem me viu chegar pela manhã mal podia acreditar que era a mesma pessoa que estava saindo dali... eu realmente estava acaba, destruída, cansadíssima... a noite foi, além de longa, insuportável. De meia em meia hora, o mal-estar aparecia e mais vômito vinha junto... Nessa hora comecei a ter certeza de que esse seria um fardo pesado demais para mim... que eu não iria dar conta.
No outro dia cedo eu estava no Graacc, apesar de não ter dormido nada durante a noite. Mais 8 horas me esperavam e esse dia foi um repeteco do primeiro... com uma pequena diferença: não tive um segundinho de paz... e isso tudo por causa da maledita da Cisplatina! Era o que todo mundo vinha me falar nos raros momentos em que eu não estava passando mal. Depois disso tudo, sempre digo: quem nunca usou Cisplatina, não sabe o que é uma náusea de verdade... hehehe... Comer, beber? Hum... nem pensar! Mais uma noite agitadíssima fez parte da minha vida... é desnecessário comentar.
O terceiro dia foi só de hidratação... um soro atrás do outro. Medida totalmente compreensível diante de uma pessoa que, nas últimas 48 horas, não conseguiu se alimentar nem beber nada. Além disso, a soroterapia ainda é necessária por causa dos efeitos da Cisplatina no funcionamento renal... tudo culpa dela... hehehehe...
Zometa não trouxe problemas no último (ufaaa) dia desse primeiro ciclo. As náuseas e vômitos já tinham diminuído bem, mas, mesmo assim, não era tudo que o estômago aceitava. Por fim, aquele pesadelo já dava sinais de que teria fim... uma luzinha, por menor que fosse, mostrava que momentos mais tranquilos viriam por aí... Será?




Da série: A primeira quimio a gente nunca esquece.

Bjo, bjo, bjo.


quinta-feira, 8 de março de 2012

Despedida de Montes Claros

Depois de reunir todos os meus cacos e tentar me recompor para a nova batalha, era hora de preparar as malas e me despedir de quem ficaria. Não que isso significasse um adeus... muito pelo contrário. A cada abraço recebido, eu tinha mais e mais certeza de que, um dia, voltaria.
Pois bem... meus colegas da faculdade também preparam festinha... não poderia ser diferente. Passei os últimos 4 anos da minha vida ao lado deles, experimentando todos os tipos de emoções. Conheci pessoas que vou levar para sempre... cada um, a seu modo, soube ganhar meu coração, minha amizade, confiança e carinho. Muitas vezes, convivia mais com eles do que com minha própria família e isso, querendo ou não, cria laços eternos. Já chorei de saudade da minha turma ao olhar as fotos das festas... já senti uma vontade imensa de abraçar cada um... já ri muito relembrando momentos que vão ficar guardados num lugar muito especial.
Minha festa de despedida foi um luxo só... no melhor estilo b.r.e.g.a! Hahahaha! Explico o tema: com a melhor das intenções, minhas queridas colegas tiveram a brilhante idéia de me fazer sentir o máximo. Como? Não me revelando que a festa seria beeeem chinfrim e, desse modo, eu seria a única chique, diferente, especial... Seria a rainha, mas não do brega... hahahahaha! Além disso, uma festa dessa marca pela irreverência e, de triste, já bastava tudo que tinha acontecido. Então foi uma noite de muita alegria e risadas... os looks foram inspiradores! Hehehehe...
As fotos desse dia são impagáveis, porém o mais importante mesmo foi sentir o quanto todas aquelas pessoas são incríveis, maravilhosas, insubstituíveis para mim. Muitas vezes, segurei as lágrimas... não porque estava triste, mas de alegria mesmo por saber que sou muito amada. Além dos meus colegas, outras pessoas muito especiais passaram por lá para me desejar toda sorte do mundo e me mandar as melhores energias possíveis. Isso não tem preço.
A seguir, os melhores momentos:















Não sei como agradecer o carinho, a homenagem, a torcida, os presentes, as mensagens... o amor que vem de vocês todos os dias. Obrigadaaaa, gente... Muita saudade!

Bjo, bjo, bjo.



terça-feira, 6 de março de 2012

Deixa a vida me levar...

Aquela noite foi longa. Mais longa ainda foi a estrada que percorremos para chegar ao diagnóstico final. Entre muitas idas e vindas, milhares de consultas com vários médicos, mais uma avalanche de exames, incertezas diagnósticas, 4 biópsias, revisão de lâminas para confirmação do primeiro tumor (pensem num drama), estava lá o que eu, definitivamente, não queria escutar: era uma metástase de osteossarcoma. Nove meses se passaram desde a suspeita até a confirmação diagnóstica. E, por um capricho do destino, precisei do tempo de uma gestação, da formação de uma nova vida, para retomar a fala e tentar ressurgir das cinzas, como uma fênix. Um novo desafio, uma nova pancada, um recomeço que, sem meio termo, era absurdamente pesado.
Até hoje não sei de onde tirei forças e coragem para "abandonar" tudo (família, amigos, faculdade, o conforto do meu lar) para vir encarar um tratamento que até o mais forte dos humanos teme. Quimioterapia... a palavra que assusta mais que o próprio medicamento. Tem gente que nem pronuncia a palavra câncer ("aquela doença")... tem gente que acha que é carma, feitiço, castigo ou qualquer outra coisa que remeta à idéia de punição. Mas não penso assim. Em algum momento da minha vida, deu a louca em uma célula e aí o estrago estava feito. Existe um culpado? Não. Há como suavizar o impacto de uma notícia dessa? Não. Há saída? Sim... mas tudo a seu tempo.
Agora eu não trataria em Minas Gerais, mas em São Paulo. Um lugar novo, desconhecido, inédito para mim. Agora eu estaria sob os cuidados de Dr. Antônio Sérgio Petrilli, uma pessoa que é muito mais que um médico... é um ser humano incrível, adorável. E é como sempre digo: se todos fossem iguais a ele, a oncologia seria um mundo muito mais suave e feliz. Enfim, sou fã mesmo...
Sofri e estou sofrendo com tudo isso. No entanto, também estou sendo feliz. Tenho recebido tanto amor e carinho, até mesmo de pessoas que não conheço, que posso dizer que sou uma privilegiada nesse turbilhão de emoções...




Agora é cumprir minha nova tarefa... Dispensei ao tempo a missão de colocar as coisas em seus devidos lugares. E deixar a vida me levar...

Bjo, bjo, bjo.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Aconteceu comigo!

Depois da dose sagrada de morfina no hospital, a dor nas costas finalmente foi controlada. Como havia dito, a suspeita inicial foi a de que um cálculo renal teria provocado tamanha dor... mas lá dentro de mim, eu não acreditei muito nessa hipótese. Já tinha história de cálculo renal e nunca senti nada parecido. Era muito diferente...
Na segunda-feira, a tomografia estava marcada. Não era novidade fazer um exame desse, mas eu estava ansiosa, tensa, preocupada. Ninguém tirava da minha cabeça que aquilo não era uma cólica renal. Fiz a TC na clínica da minha professora de radiologia e, ironicamente, uma semana antes, eu estava ali, do outro lado da sala, observando alguém fazer o exame. O mundo dá muitas voltas mesmo...
No final do procedimento, Simone, radiologista super top (mereço 10 na prova, tia Si... hehehe), falou que eu realmente estava com muitas pedrinhas nos rins... umas 13 somando tudo. E não disse absolutamente mais nada, nem tão pouco demonstrou qualquer preocupação. Só marcou o dia de pegar o resultado final mesmo. Fui para casa, mas com uma sensação muito ruim, que não sei explicar direito. Menos de uma semana se passou e o resultado da tomografia já estava pronto. Era pegar as imagens e o laudo e beber muita água para eliminar esses cálculos (doce ilusão!).
Era uma quinta-feira e eu já tinha pedido meu pai para passar na clínica e pegar a TC depois do trabalho. No entanto, notei minha mãe estranha desde cedo nesse dia... achei que poderia ser qualquer tipo de preocupação, mas nunca imaginei que aquele "olhar triste e distante" era, na verdade, olhar de preocupação diante da intimação que ela tinha recebido há pouco tempo. Simone tinha ligado e pediu que fôssemos eu, meu pai e minha mãe buscar o resultado do exame... que ela gostaria de conversar conosco no final da tarde. Até pouco tempo antes do encontro, eu não sabia de nada... tinha tido um dia corrido, com muitas aulas e atividades na faculdade. Porém, quando me falaram isso... meu Deus! Senti um frio tão grande na alma que é impossível descrever aqui.
Fiquei desnorteada com essa notícia... algo não muito bom estava prestes a acontecer, eu pensava. Mas, ao mesmo tempo, procurava ser otimista, tentando não antecipar qualquer sofrimento. Fomos para a clínica e, no caminho, não conseguimos falar nada um para o outro. Um silêncio absurdo tomou conta do carro e das nossas vidas naquele momento. Chegamos em silêncio também e, enquanto esperava Simone nos chamar, fiquei observando o movimento dos pacientes, sem saber que, em pouco tempo, eu seria mais uma a frequentar clínicas e hospitais novamente.
Não sei dizer, com exatidão, quanto tempo ficamos ali esperando, contudo os minutos eram pesados demais para mim... um segundo teve a equivalência de uma hora. Por fim, fomos chamados... a sala em que seríamos atendidos ficava quase no final do corredor... e era justamente a sala em que eu vivi momentos de alegria há poucos dias nas aulas de radiologia. O corredor ficou longo e teve uma hora que pensei que não teria pernas para chegar até a sala, tamanho era o medo de escutar algo que não queria.
Respirei fundo e, assim que abri a porta, vi no negatoscópio um monte de imagens... só consegui exergar isso na minha frente. Mas Simone nos recebeu super bem... tranquila. Pediu que entrássemos, nos acomodou e conversou sobre outras coisas antes de tocar no assunto que tinha nos levado até ali. Contudo, eu não tirava o olho das imagens, não conseguia me concentrar em mais nada. Àquela altura, eu já tinha certeza de que não se tratava somente de cálculos renais. Algo muito pior estava por vir.  Acho que fiquei sem respirar o tempo todo em que permaneci naquela sala. Sentei numa cadeira bem próxima às imagens e meus pais mais atrás. E, assim que Simone ligou a luz do negatoscópio e começou a falar, meu coração disparou e minhas mãos começaram a tremer. Senti meu coração bater na garganta quando percebi algo estranho na coluna em um filme que estava mais próximo... Olhei para trás e vi meus pais super apreensivos também. Na verdade, não sei quais foram as primeiras palavras de Simone, mas me lembro quando ela disse que haviam encontrado, além dos cálculos, uma alteração em uma vértebra lombar.  E, assim que ela colocou o laudo em cima da mesa, mesmo de cabeça para baixo, consegui ler as primeiras palavras: "considerar hipótese de metástase de osteossarcoma...". Fechei os olhos, segurei as lágrimas e comecei a escutar a sentença: "Renatinha, você tem uma lesão suspeita na segunda vértebra lombar... as características da imagem não são ruins, mas você tem um histórico de tumor nos ossos e, para sua segurança, aconselho você procurar seu oncologista para melhor avaliação." Buuuuuuuum... não senti o chão, tive a impressão de que tudo desmoronou na minha frente, as coisas começaram a ficar escuras, girar... O choro saia fácil. Um sentimento horrível, que não desejo para ninguém. Simone não olhava para mim, mas para meus pais. Quando virei para trás, vi os dois chorando também. Receber uma notícia dessa não é fácil, mas também dar uma notícia dessa deve ser terrível. Lembro de Simone me dizendo palavras carinhosas e de ter sido amparada, mas não me lembro exatamente do que ela me disse naquela hora. Só sei que ela foi a melhor pessoa naquele momento nefasto.
Aquilo foi um soco no estômago... não conseguia falar quase nada... e, para ser sincera, nem sei se pronunciei algo. Não sei como consegui sair da sala andando, não sei se me despedi de Simone, não sei se agradeci o carinho que ela teve por mim, como conseguimos chegar no carro... Eu não conseguia pensar em quase nada... aquela notícia tinha me tirado a razão. Minha vontade era de chorar, de gritar, de fugir... de morrer repentinamente! Mas como fugimos de um problema desse? Nem se desejássemos ignorar, conseguiríamos... Voltamos para casa e, até hoje, não sei como meu pai conseguiu conduzir o carro. Minha mãe tentava enxugar as lágrimas, mas elas saiam dos olhos muito mais rápido. O caminho ficou muito mais longo e triste... Se fomos calados para a clínica, voltamos ainda mais mudos. Não tinha palavra certa. Não tinha consolo. Não tinha nada que pudesse diminuir a dor daquele momento. Confirmação de que era uma metástase, só com a biópsia mesmo, mas apenas o fato da possibilidade existir já era motivo suficiente para um desespero assustador...



E agora? Como assimilar uma notícia dessa? Como entender que você está, mais uma vez, protagonizando uma história que ninguém quer viver?

Bjo, bjo, bjo.

domingo, 4 de março de 2012

No meio do caminho não tinha uma pedra...

Fevereiro de 2011. O ano começava feliz para mim... Estava iniciando o sétimo período de medicina, aquele que seria o divisor de águas na minha carreira acadêmica. Havia uma expectativa imensa em torno desse semestre, não só porque seria o último de tutorias, como também por seu grau de importância científica. Enfim, chegar nesse ponto era, paradoxalmente, motivo de alegria e tensão. 
Era uma manhã de sexta-feira, como outra qualquer. Acordei cedo e comecei a me preparar para a aula. Tomei banho, desci para o café, escolhi a roupa... tudo absolutamente normal. No dia anterior, tive uma rotina que não fugiu ao convencional. Nada que viesse a justificar o calvário que me esperava nas próximas horas... Tudo começou no momento sagrado de arrumar o cabelo, quando senti uma "fisgadinha" nas costas, na altura dos rins. À princípio, não dei importância e continuei, sem nem imaginar o que poderia ser. Tornei a sentir a mesma dor poucos segundos depois, porém um pouco mais forte. Liguei? Não. Só levei a mão nas costas e a dor passou num passe de mágica, permitindo-me prosseguir... Mas aí se passaram uns 5 minutos e, de repente, veio a pior dor que já senti na vida. Apareceu assim, sem avisar, sem mandar recado, inesperadamente. Uma dor que já começou na sua intensidade máxima, irradiando para todos os lados, a ponto de prejudicar até a respiração. Não sei qualificar até hoje se era tipo cólica, pontada, fincada, queimação ou qualquer outra coisa. Só sei que foi tão forte que, no mesmo instante, caí no chão e rolei de dor... era insuportável. Jamais havia sentido algo parecido. Não conseguia nem me movimentar e comecei a gritar pedindo socorro... gritar, chorar, desesperar... Minha irmã logo chegou, depois veio meu pai... e os dois ficaram me olhando, boquiabertos, tentando entender o que tinha acontecido em questão de minutos. E eu ali no chão, contorcendo de dor, também atônita diante de um fato nunca imaginado. O desespero era visível nos olhos deles. Ninguém sabia o que fazer direito naquele momento, mas a situação era tão dramática que o primeiro instinto do meu pai foi me pegar no colo e pelo menos me colocar numa cama. No entanto, todas as tentativas de me levantar do chão foram falidas diante da dor que aumentava (era possível?) com o mínimo movimento. Contudo, alguma coisa tinha que ser feita porque eu gritava loucamente de dor. Por pelo menos uma hora, fiquei ali, no piso frio, gelado pelas gotas de suor que pingavam do meu corpo, numa tradução indireta da dor que estava sentindo. Depois de várias tentativas, meu pai conseguiu me colocar na cama, mas a dor não cedia por nada. Minha mãe foi chamada no trabalho e chegou em casa mais desesperada que todos nós juntos. A essa altura, minha aula já tinha ido embora e então comecei a tomar um remédio atrás do outro. Iniciando pelos mais fracos, sem sucesso. Todavia, o aumento de doses ou potência dos medicamentos não surtiam nenhum efeito. O tempo foi passando... 1, 2, 3, 4, 5 horas e nada. Tudo que estava a nosso alcance já tinha sido feito. Comecei a sentir náusea, fazer vômito, ver tudo girar na minha frente... Meu irmão chegou e fez medicação venosa, mas isso também não resolveu o problema. Já era desesperadora a situação e a única alternativa era me levar para o hospital. Mas como? Era impossível eu me mover na cama, que dirá levantar... Depois de quase 12 horas de dor e angústia, eu estava no hospital, com a ajuda de um serviço móvel de urgência, recebendo morfina, fazendo exame, pensando que se tratava de um cálculo renal. Passei um tempo em observação e depois fui para casa, sem dor, mas na segunda-feira eu faria uma tomografia computadorizada para melhor avaliação dos rins...


No meio do caminho não tinha uma pedra. Não tinha uma pedra no meio do caminho...
P.S.: Para não ficar cansativo, vou dividir essa parte da história em alguns capítulos. Continuo a contar no próximo post.
Bjo, bjo, bjo.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Nova Vida

O fim da radioterapia marcou o início de uma nova fase da minha vida. Agora eu teria pela frente 3 anos de controle, tempo em que realizaria exames periódicos para avaliação da resposta ao tratamento e também para detectar recidiva tumoral precoce ou alguma metástase que, por ventura, viesse a aparecer. Não poderia, ainda, falar que estava curada, mas dizer que estava em r.e.m.i.s.s.ã.o! E, para quem havia passado por um susto desse, escutar essa palavra era algo mágico. Voltei para Montes Claros, tentando colocar as coisas em seus devidos lugares. Estudar e tentar vestibular para medicina era, definitivamente,  um sonho que não tinha sido abalado pela doença. Muito pelo contrário... Retornei para o cursinho e, apesar de não andar no mesmo ritmo de antes, consegui cumprir os seis meses de estudo, com afinco, com coragem e vontade... vontade de recomeçar a viver realizando um sonho. Nesse tempo, fui várias vezes fazer consultas de revisão. Depois que você tem uma doença grave, pelo menos a princípio, um exame não é mais, simplesmente, um exame. Sempre há expectativa e ansiedade diante da possibilidade de aparecer algo que tire você da sua zona de conforto. Fiquei convivendo com esse drama durante muito tempo, mas os primeiros meses foram os mais martirizantes. A primeira consulta pós-tratamento é um teste cardíaco...  haja coração! O que mais me dava medo era ter que voltar para o hospital, ficar internada, não poder comer, beber, passar noites e dias em claro, ter que usar sonda...
Voltando ao vestibular (sim, era uma obsessão), no dia 18 de Janeiro de 2008, o resultado saiu... tcharaaaaaan... eu tinha passado. Aaaeeehh... Definitivamente, um dos dias mais felizes da minha vida. Eu queria muito isso, desejei muito viver esse momento. Exatamente um ano após a primeira alta hospitalar, eu via um novo caminho se abrir na minha frente... e, só de lembrar da emoção desse dia, da felicidade de conquistar algo muito esperado, meus olhos ficam cheios de lágrimas. Estava vivendo dias de êxtase e, ao que tudo indicava, eu tinha entrado, novamente, na órbita da vida. Fui muito feliz nesse tempo... ganhei uma turma nova, ganhei amigos (ai, que saudade de muitos), ganhei irmãos, comecei a ganhar um futuro profissional. Viajei, estudei, planejei festas... vi meu irmão se formar, minha família crescer, meus primos se casarem... enfim, eu e minha família comemoramos muitas vitórias. Cumpri os 3 anos de controle e, em nenhum momento, nada suspeito, nada de anormal aconteceu. Nenhuma dor, nenhum exame alterado.


Turma 53 Medicina Unimontes


Formatura de Lucas


Família

História com final feliz? Ledo engano... Continuo a contar na próxima postagem. A estrada é longa...
Bjo, bjo, bjo.